MEMÓRIAS E CARTAS DA IRMÃ LÚCIA – tradução inglesa pelo P.DR. ANTÔNIO MARIA MARTINS, S. J.

Postado dia 27/10/2018

 

Deus não mudou nem pode mudar[1].

Por isso, o que aconteceu no passado, repete-se hoje e assim será até ao fim do mundo.

Os homens procuram o prazer com os requintes mais refinados. Esquecem-se facilmente das lições da história e da lei de Deus.

Fátima é um sinal de alarme no caminho da vida dos homens e das nações. É igualmente um convite amoroso ao arrependimento sincero, meio indispensável para obter o perdão do Pai: “Se fizerem o que Eu vos disser, salvar-se-ão muitas almas e terão paz. A guerra vai acabar; mas se não deixarem de ofender a Deus, no reinado de Pio XI começara outra pior”.

Alguém dirá que estes manuscritos da Lúcia são de data posterior aos acontecimentos e, portanto, sem valor profético.

Concordamos. Mas, como ela sagazmente afirma o intento de Deus não era apresentá-la ao mundo como profetisa. Há, no entanto, predições dos Videntes e, sobretudo, da Irmã Lúcia, proferidas antes dos acontecimentos, e que depois se desenrolam à letra, como o milagre de Outubro de 1917, anunciado desde Julho anterior. Mais, a 20 de Junho de 1939, escrevia a Vidente ao R. P. José Aparício da Silva, S. J. : “Nossa Senhora prometeu adiar para mais tarde o flagelo da guerra, se for propagada e praticada esta devoção. Vemo-La afastando esse castigo, à maneira que se vão fazendo esforços para a propagar. Mas eu tenho medo que nós possamos fazer mais do que fazemos, e que Deus, pouco contente, levante o braço de Sua Misericórdia e deixe o mundo assolar-se com esse castigo que será, como nunca houve, horrível, horrível!”

E na carta ao Santo Padre, a 2 de Dezembro de 1940: “Santíssimo Padre! Se é que na união de minha alma com Deus não sou enganada, Nosso Senhor promete, em atenção à consagração que os Ex. Prelados Portugueses fizeram da nação ao Imaculado Coração de Maria, uma proteção especial à nossa pátria, durante esta guerra; e que proteção será a prova das graças, que concederia as outras nações, se, como ela, Lhe tivessem sido consagradas”. Sendo Portugal, aliado da Inglaterra, em 1940 tais palavras revestem o carácter de autêntica predição do futuro. E se tiver em conta que “por dez vezes, ora a Alemanha, ora a América, fizeram pressão para envolver Portugal no conflito, ou ameaçaram violar a sua neutralidade”, e que “as divisões blindadas (alemãs) entraram solenemente em S. Sebastião”, não nos admiraremos que Pio XII e os seus sucessores se tenham convencido de que a Mensagem da Rainha do Céu, através de ingênuos pastorinhos em 1917, e mais tarde por meio de uma humilde religiosa, sem estudos, dedicada quase exclusivamente a trabalhos domésticos e a oração, era uma realidade incontestável.

Mas há outras predições da Irmã Lúcia, que convém fazer ressaltar. Nas cartas para o Rev. P. José Bernardo Gonçalves, S. J. , afirmou ela, em 18-5-1936: “Mas, meu Deus, o Santo Padre não me há-de crer, se Vós mesmos o não moveis com uma inspiração especial! O Santo Padre! Ora muito pelo Santo Padre. Ele há-de fazê-la, (a consagração da Rússia), mas será tarde. A 15-7-1940:

“Quanto à consagração da Rússia ao Coração Imaculado de Maria, não se fez ao mês de Maio, como V.Rev. esperava. Há-de fazer-se, mas não já. Tais predições realizaram-se, como sabemos, pois a 31 de Outubro de 1942, exatamente quando em Fátima se celebravam as Bodas de Prata das Aparições, e da sagração episcopal de Pio XII, Sua Santidade, numa rádio em português, consagrou o mundo ao Imaculado Coração de Maria, com palavras que convém relembrar: “Hoje que o quarto ano de guerra amanheceu mais sombrio ainda, num sinistro alastrar do conflito; hoje, mais que nunca, só nos resta a confiança em Deus e, como Medianeira perante o trono divino. Aquela que um nosso predecessor, no primeiro conflito mundial, mandou invocar como Rainha da Paz. Invoquemo-La mais uma vez, que só Ela nos pode valer! Ela, cujo Coração materno se comoveu perante as ruínas que se amontoavam na vossa Pátria e tão maravilhosamente a socorreu; Ela que condoída na previsão desta imensa desventura, com que a Justiça de Deus penitência o mundo, já de antemão apontava, na oração e na penitência, o caminho da salvação: Ela não nos há-de negar a Sua ternura materna e a eficácia do Seu patrocínio.

Rainha do Santíssimo Rosário, auxílio dos cristãos, refúgio do gênero humano, vencedora de todas as grandes batalhas de Deus! Ao vosso trono, súplices nos prostraram seguros de conseguir misericórdia e de encontrar graça e auxílio oportuno nas presentes calamidades, não pelos nossos méritos, de que não presumimos, mas unicamente pela imensa bondade do vosso Coração “materno”.

A Vós, ao vosso Coração Imaculado, Nós, como Pai comum da grande família cristã, como Vigário d’Aquele a quem foi dado todo o poder no Céu e na terra, e de Quem recebemos a solicitude de quantas almas remidas com o seu sangue povoam o mundo universo, — a Vós, ao vosso Coração Imaculado, nesta hora trágica da história humana, confiamos, entregamos, consagramos não só a Santa Igreja, corpo místico de vosso Jesus, que pena e sangra em tantas partes e por tantos modos atribulada, mas também todo o mundo, dilacerado por exiciais discórdias, abrasado em incêndios de ódio, vítima de suas próprias iniqüidades.

Comovam-Vos tantas ruínas, materiais e morais; tantas dores, tantas agonias dos pais, das mães, dos esposos, dos irmãos, das criancinhas inocentes; tantas vidas ceifadas em flor; tantos corpos despedaçados numa horrenda carnificina; tantas almas torturadas e agonizantes; tantas em perigo de se perderem eternamente.

Vós, Mãe de misericórdia, impetrai-nos de Deus a paz! E primeiro as graças que podem, num momento, converter os humanos corações: as graças que asseguram a paz! Rainha da paz, rogai por nós e daí ao mundo, em guerra, a paz por que os povos suspiram: a paz na verdade, na justiça, na caridade de Cristo. Dai-lhe a paz das armas e das almas, para que na tranquilidade da ordem se dilate o Reino de Deus.

Estendei a vossa proteção aos infiéis e a quantos jazem ainda nas sombras da morte; dai-lhes a paz e fazei que lhes raie o Sol da verdade, e possam conosco, diante do único Salvador do mundo, repetir: Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens de boa vontade!

Aos povos pelo erro ou pela discórdia separados, nomeadamente aqueles que Vos professam singular devoção, onde não havia casa que não ostentasse a vossa veneranda ícone, (hoje talvez escondida e reservada para melhores dias), dai-lhe a paz e reconduzi-os ao único redil de Cristo, sob o único e verdadeiro Pastor.

Obtende paz e liberdade completa à Igreja Santa de Deus; sustai o dilúvio inundaste de neo-paganismo, todo matéria; e fomentai, nos fiéis, amor da pureza, a prática da vida cristã e o zelo apostólico, para que o povo dos que servem a Deus, aumente em mérito e em número.

Enfim, como ao Coração do vosso Jesus foram consagrados a Igreja e todo o gênero humano, para que, colocando n’Ele todas as suas esperanças, lhes fosse sinal e penhor de vitória, assim desde hoje vos sejam perpetuamente consagrados também a Vós e ao Vosso Coração Imaculado, ó Mãe nossa e Rainha do Mundo: para que o vosso amor e patrocínio apresse o triunfo do Reino de Deus, e todas as gerações humanas, pacificadas entre si e com Deus, a Vós proclamem bem-aventurada, e convosco entoem, de um pólo ao outro da terra, o eterno “Magnificat” de glória, amor, reconhecimento ao Coração de Jesus, onde só podem encontrar a Verdade, a Vida e a Paz.”

Na carta da Lúcia ao Santo Padre, encontramos ainda este parágrafo: “Em várias comunicações íntimas, Nosso Senhor não tem deixado de insistir neste pedido, prometendo ultimamente, se Vossa Santidade se dignar fazer a consagração do mundo ao Imaculado Coração de Maria, com menção especial da Rússia, e ordenar que em união com Vossa Santidade e ao mesmo tempo a façam também todos os bispos do Mundo, abreviar os dias da tribulação com que tem determinado punir as nações de seus crimes, por meio da guerra, da fome e de várias perseguições a Santa Igreja e a Vossa Santidade.”

Foi sem dúvida movido por ele e por verificar a objetivação desta outra passagem, — “se atenderem aos meus pedidos, a Rússia se converterá e terão paz: se não, espalhará seus erros pelo mundo, promovendo guerras e perseguições a Igreja. Os bons serão martirizados, o Santo Padre terá muito que sofrer, várias nações serão aniquiladas…” — que Pio XII se decidiu consagrar a Rússia ao Imaculado Coração de Maria. Esse ato teve lugar a 7 de Julho de 1952 na Festa dos Santos Cirilo e Metódio, apóstolos dos povos eslavos:

“Nós, para mais facilmente serem ouvidas as nossas e as vossas fervorosas preces, e para darmos esta singular prova da Nossa benevolência, assim como há alguns anos, consagramos todo o gênero humano ao Coração Imaculado da Virgem Mãe de Deus, assim também agora, de modo especialíssimo, dedicamos e consagramos todos os povos da Rússia ao mesmo Coração Imaculado.” E na impossibilidade de o fazer, nessa data, com todos os bispos do mundo, Pio XII, ao proclamar a Realeza de Maria, usou esta formula solene: “Com a Nossa autoridade apostólica, decretamos e instituímos a festa de Maria Rainha, para ser celebrada cada ano em todo o mundo, no dia 31 de maio. Ordenamos igualmente que no mesmo dia se renove a consagração do gênero humano do seu Coração Imaculado”. Estes fatos demonstram-nos quanto Pio XII tomou a sério o “caso” de Fátima.

 

[1] MEMÓRIAS E CARTAS DA IRMÃ LÚCIA, COM APROVAÇÃO ECLESIÁSTICA, Introdução, notas e tradução inglesa pelo P.DR. ANTÔNIO MARIAsimão  MARTINS, S. J., Licenciado em filosofia pela Faculdade de Nova Friburgo, Composição e Impressão de Simão Guimarães, Filhos, Lda, Porto, 1973