O caminho da infância espiritual consiste essencialmente na vida de Amor, e o primeiro requisito, para praticar com convicção e fruto a vida de Amor, é crer no Amor.
Crer no Amor significa, em primeiro lugar, crer que Deus é Amor: Deus charitas est (1 Jo 4,16). “Tu não podes viver sem amor — dizia Nosso Senhor a Sta. Catarina de Gênova —, porque o Amor sou Eu, teu Deus.” E S. Bernardo, comentando os Cânticos: “Este Esposo não é só amante, é o mesmo Amor.”
A fé nesta verdade fundamental é necessária para que a alma possa descobrir no Amor a causa primeira e eficiente de todas as obras de Deus. Foi a superabundância do seu Amor que levou Deus a realizar a Criação; foi o seu Amor que inspirou a Encarnação e a Redenção; foi o seu Amor que nos deu a Eucaristia e os Sacramentos; foi o seu Amor que dispõe o Purgatório para as almas a quem as provas da vida não tivessem purificado suficientemente; foi o seu Amor que preparou a mansão da paz para as almas de boa vontade; foi o seu Amor ultrajado e não reconhecido pelos prevaricadores que criou o inferno. S. Francisco de Sales tinha razão ao escrever: “Na Igreja de Jesus Cristo tudo pertence ao Amor, tudo está fundado no Amor, tudo é Amor.”
Não basta: é necessário descer das grandes obras de Deus a cada um dos acontecimentos de que se entretece a vida do mundo e dos indivíduos, para discernir neles, juntamente com o toque sapiente da mão de Deus, a marca do seu Amor. Ele não pode fazer senão obras de Amor: pensamentos, atos, todas as divinas vontades são Amor, até mesmo quando castiga. Escreve Soror Consolata:
“… Ao entardecer de 24 de agosto de 1934, encontrava-me na cela, perto da janela. Tinham-me dado um livro para ler e folheei-o e li os castigos com que o Senhor ameaçava. Tive então uma saída repentina… das da Consolata: — Jesus como quer lavar-nos no nosso sangue? Ele é imundo! Lava-nos antes no teu Sangue! — Consolata olha para o céu… Olhei, e no azul maravilhoso descobri uma estrela, a primeira do entardecer. E enquanto a contemplava, Jesus gritou forte ao meu coração: Confiança!… Entretanto, a bela abóbada do céu tinha-se revestido de estrelas e uma fascinação misteriosa me envolveu. Sentei-me no parapeito da janela, que era baixo, e ali fiquei absorta, em muda contemplação. Pareceu-me que o Céu não estava já irado contra a terra, e que a paz do Reino de Deus estendia asas mansas sobre a face deste pobre mundo.”
Sim, paz para o mundo, mas no Reino de Deus, Jesus é o Salvador do mundo. Ele pode e quer salvá-lo.
Consolata tenho necessidade de vítimas; o mundo perde-se e Eu quero salvá-lo.
Consolata, um dia o demônio jurou perder-te e Eu salvar-te. Quem venceu? Pois bem. Ele jurou também perder o mundo e Eu juro salvá-lo, e salvá-lo-ei com o triunfo da minha Misericórdia e do meu Amor.
Sim. Salvarei o mundo com o Amor misericordioso; escreve isto.
Note-se: não é que Jesus exclua os castigos; estes podem ser necessários precisamente para a salvação do mundo e das almas. Durante o conflito ítalo-etíope, orando Soror Consolata pelos Capelães militares, para obter que se mantivessem todos à altura da sua missão, Jesus respondia-lhe (27 de agosto de 1935): Olha: estes rapazes (os soldados), a maior parte, nas suas casas apodreceriam em meio dos vícios. Ao passo que na guerra, longe das ocasiões, com e assistência do Capelão. Morrerão e serão salvos eternamente.
O mesmo lhe repetia a propósito da crise econômica que já afligia o mundo antes da recente guerra mundial (15 de novembro de 1935):
A própria miséria atual que reina no mundo não é obra da minha justiça, mas da minha misericórdia.
Quantas culpas a menos, por falta de dinheiro! Quantas orações a mais não sobem ao céu nos apertos financeiros!
Oh! Ninguém creia que as dores da terra me não comovam; mas Eu amo as almas, quero salvá-las, e, para atingir o meu fim, sou constrangido a usar de rigor. Mas, acredite, é para fazer misericórdia.
Na abundância, as almas esquecem-Me e perdem-se; na miséria, voltam a Mim e salvam-se. É assim, sabes!
E então, durante a tremenda conflagração mundial, e precisamente a 8 de dezembro de 1940, entre Jesus e Soror Consolata, que chorava e suplicava pela paz, desenrolava-se o seguinte diálogo:
— Olha Consolata, se Eu concedo hoje a paz, o mundo volta à lama… a prova não seria suficiente.
— Mas, ó Jesus, toda esta juventude enviada para a carnificina!
— Oh! Não é melhor dois, três anos de acerbos, intensos, inauditos sofrimentos, e depois uma eternidade de gozos, do que uma vida inteira de dissolução e depois a condenação eterna?… Escolhe!
— Mas, ó Jesus, nem todos são maus!
— Pois bem, os bons aumentarão os seus méritos. Não, não deites a culpas aos Chefes das nações, eles são simples instrumentos em minhas mãos. Para poder salvar o mundo, hoje é preciso assim. Oh! Que multidão de jovens não agradecerão na eternidade a Deus por terem morrido nesta guerra, que os salvou eternamente! Entendeste?
O que Jesus dizia da guerra, dizia-o também da fome, triste herança da mesma guerra (24 de abril de 1942): Eu salvo os soldados na guerra e o mundo com a miséria e com a fome. Mas tantos corações desesperam… Reza tu, agora, não só pelos corações que sofrem no mundo, mas também pelos que desesperam, para que Eu seja para eles conforto e esperança.
E poucos dias depois, voltando à mesma idéia — e sempre em resposta às orações dela pela paz — dizia-lhe (29 de abril de 1942):
A miséria e a fome levam as almas à desesperação… Oh! Consolata ajuda-me a salvá-las!
Eu quero salvar a pobre humanidade que corre para a lama, como o sedento para a água fresca; e para salvá-la não há outro caminho senão a miséria e a fome. Mas ela desespera…
Oh! Consolata ajuda-me a salvá-la, reza por ela como rezas pelos soldados. Oh! Aos soldados os salvo Eu na guerra! Quero salvar assim a pobre humanidade.
Reza, reza por ela, para que Eu mitigue as tantas, tão grandes dores suas e salve as almas.
Se permito tanta dor no mundo — tanta! —, é com este único fim: salvar as almas para a eternidade. O mundo perdia-se, corria para a ruína…
Particularmente, para suavizar a angústia grande de Soror Consolata ante a destruição de tantas casas na sua querida cidade de Turim, quando das violentas incursões aéreas, Jesus voltava ao meso pensamento de fé (dezembro de 1942): Consolata, as casas reedificam-se; as almas que se perdem, não. Ora, não é melhor salvar as almas e que as casas se arruínem, do que perder aquelas eternamente e salvar estas?
Tal como nas desventuras públicas, assim nas familiares ou individuais. Sempre, até mesmo nos casos mais intensamente dolorosos, ante os quais a razão humana interroga desorientada: — mas por quê? — a resposta que vem do Céu é ainda: Amor, Bondade, Misericórdia de Deus.
Um dia, ás lágrimas de Soror Consolata pela morte imprevista de uma sua companheira da infância — Celeste Canda, que deixava órfãs quatro crianças, a maior apenas com nove anos —, Jesus respondia: Celeste Canda goza agora da minha doce visão eterna, e, lá do paraíso, vela com maior ternura pelas almas dos seus quatro filhos, mais que se tivesse ficado na terra. Que suave conforto, quanta luz do Céu lançam estas simples palavras sobre todos os lutos familiares!
Em suma, crer no Amor quer dizer crer que Jesus nos ama, quer nos salvar, e que tudo o que Ele faz ou permite, tanto no mundo universo como no pequeno mundo da alma, é sempre para nosso bem. São, contudo, poucas, mesmo entre as que se dão à piedade, as almas que têm esta fé viva e prática no Amor. Têm-na, talvez, mas fraca e facilmente vacilante sob os golpes do escalpelo do divino Artífice, golpes que vão sempre dirigidos a aperfeiçoar a obra das suas mãos.
E quantas almas são levadas a ver em Deus, mais que o Pai bondoso, o Amo severo! Para essas é a doce queixa de Jesus a Soror Consolata (22 de novembro de 1935): Não me façais Deus de rigor: Eu não sou senão Deus de Amor! E para essas também a resposta que Jesus dava a Soror Consolata, que Lhe tinha perguntado como queria que o chamassem (26 de setembro de 1936): Amor imenso, Bondade infinita! E para elas ainda o conselho de Jesus a Soror Consolata, indecisa de se escreveria numa carta “o Coração Sacratíssimo de Jesus” ou “o Coração Bondoso de Jesus” (22 de julho de 1936): Escreve o Coração Bondoso de Jesus; porque que Eu seja Santo todos o sabem, mas que sou Bom, nem todos.
A alma que quer viver de Amor deve, portanto, fundar-se nesta verdade e aplicá-la aos mil casos da vida quotidiana. Não há de deter-se nas criaturas ou nos acontecimentos, mas em tudo ver a Deus e ao seu Amor; e sempre, nas coisas prósperas como nas adversas, na bonança ou em meio das vagas em tempestade, concentrar as próprias energias para fazer chegar ao Céu o brado da sua fé inabalável: “Sagrado Coração de Jesus, creio no teu Amor por mim!” É o que já afirmava o Apóstolo do Amor: E nós conhecemos e cremos no Amor que Deus tem por nós (1 Jo 4,16).