Aparições do Anjo em 1916

Postado dia 29/08/2016

 

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“Passado algum tempo, voltamos com os nossos rebanhos para esse mesmo sítio e repetiu-se o mesmo, da mesma forma. As minhas companheiras contaram, de novo, o acontecido. E o mesmo, passado outro espaço de tempo. Era a terceira vez que minha mãe ouvia falar, por fora, destes acontecimentos, sem eu ter dito palavra em casa.

Chama-me, então, já pouco contente, e pergunta-me:

  • Vamos a ver: o que é que vocês dizem que vêem para aí?!
  • Não sei, minha mãe. Não sei o que é.

Várias pessoas começaram por fazer troça. E como eu, desde a minha primeira comunhão, me ficava por algum tempo como que abstracta, recordando o que se tinha passado, minhas irmãs, com algo de desprezo, perguntavam-me:

  • Estás a ver algum embrulhado no lençol?

Estes gestos e palavras de desdém eram-me muito sensíveis, pois eu não estava habituada senão a carinhos. Mas isto não era nada. É que eu não sabia o que o bom Deus me tinha reservado para o futuro.

Por este tempo, o Francisco e a Jacinta pediram e obtiveram, como já contei a V. Ex.cia Rev.ma, licença dos pais, para começarem a guardar o seu rebanho. Deixei, pois, estas boas companheiras e

  • Estas aparições pouco claras do Anjo tinham, talvez, o fim de preparar Lúcia para o futuro.

substituí-as por meus primos: o Francisco e a Jacinta. Combinámos, então, pastorear os nossos rebanhos nas propriedades de meus tios e de meus pais, para não nos juntarmos na serra com os demais pastores.

Um belo dia, fomos com as nossas ovelhinhas para uma propriedade de meus pais que fica ao fundo do dito monte voltado ao nascente. Chama-se essa propriedade Chousa Velha. Aí pelo meio da manhã, começou a cair uma chuva miudinha, pouco mais que orvalho. Subimos a encosta do monte, seguidos das nossas ovelhinhas, em procura de um rochedo que nos servisse de abrigo. Foi então que pela primeira vez entrámos nessa caverna abençoada. Fica em meio dum olival pertencente a meu padrinho Anastácio. Desde ali, avista-se a pequena aldeia onde nasci, a casa de meus pais, os lugares da Casa Velha e Eira da Pedra. O olival, pertencente a vários donos, continua até (se) confundir com estes pequenos lugares. Aí passámos o dia, apesar da chuva haver passado e de o sol se haver descoberto lindo e claro. Comemos a nossa merenda, rezámos o nosso Terço e não sei se não seria um daqueles que costumávamos, com o afã de brincar, como já disse a V. Ex.cia Rev.ma, passar as contas dizendo só a palavra Ave-Maria e Padre-Nosso! Terminada a nossa reza, começámos a jogar as pedrinhas.

Alguns momentos havia que jogávamos, e eis que um vento forte sacode as árvores e faz-nos levantar a vista para ver o que (se) passava, pois o dia estava sereno. Vemos, então, que sobre o olival (11) se encaminha para nós a tal figura de que já falei. A Jacinta e o Francisco ainda nunca a tinham visto, nem eu Ihes havia falado nela. À maneira que se aproximava, íamos divisando as feições: um jovem dos seus 14 a 15 anos, mais branco que se fora de neve, que o sol tornava transparente como se fora de cristal e duma grande beleza. Ao chegar junto de nós, disse:

  • Não temais! Sou o Anjo da Paz. Orai comigo.

E ajoelhando em terra, curvou a fronte até ao chão e fez-nos repetir três vezes estas palavras:

  • Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e amo-Vos. Peço-Vos perdão para os que não crêem, não adoram, não esperam e Vos não amam.
  • Foi a primeira aparição do Anjo.

Depois, erguendo-se, disse:

  • Orai assim. Os Corações de Jesus e Maria estão atentos à voz das vossas súplicas.

As suas palavras gravaram-se de tal forma na nossa mente, que jamais nos esqueceram. E, desde aí, passávamos largo tempo assim prostrados repetindo-as, às vezes, até cair cansados. Recomendei logo que era preciso guardar segredo e, desta vez, graças a Deus, fizeram-me a vontade.

Passado bastante tempo (12), em um dia de verão, em que havíamos ido passar a sesta a casa, brincávamos em cima dum poço que tinham meus pais no quintal a que chamávamos o Arneiro. (No escrito sobre a Jacinta, também já falei a V. Ex.cia deste poço). De repente, vemos junto de nós a mesma figura ou Anjo, como me parece que era, e diz:

  • Que fazeis? Orai, orai muito. Os Corações Santíssimos de Jesus e Maria têm sobre vós desígnios de misericórdia. Oferecei constantemente, ao Altíssimo, orações e sacrifícios.
  • Como nos havemos de sacrificar? – perguntei.
  • De tudo que puderdes, oferecei a Deus sacrifício em acto de reparação pelos pecados com que Ele é ofendido e súplica pela conversão dos pecadores. Atraí assim, sobre a vossa Pátria, a paz. Eu sou o Anjo da sua guarda, o Anjo de Portugal. Sobretudo, aceitai e suportai, com submissão, o sofrimento que o Senhor vos enviar.

Passou-se bastante tempo e fomos pastorear os nossos rebanhos para uma propriedade de meus pais que fica na encosta do já mencionado monte, um pouco mais acima dos Valinhos. É um olival a que chamávamos Prégueira. Depois de termos merendado, combinámos ir rezar na gruta que ficava a outro lado do monte. Demos, para isso, uma volta pela encosta e tivemos que subir uns rochedos que ficam ao cimo da Prégueira. As ovelhas conseguiram passar com muita dificuldade.

Logo que aí chegámos, de joelhos, com os rostos em terra, começámos a repetir a oração do Anjo: Meu Deus! Eu creio, adoro, espero e amo-Vos, etc. Não sei quantas vezes tínhamos repetido esta oração, quando vemos que sobre nós brilha uma luz desconhecida. Erguemo-nos para ver o que se passava e vemos o

  • Foi a segunda aparição do Anjo.

Anjo (13), tendo em a mão esquerda um Cálix, sobre o qual está suspensa uma Hóstia, da qual caem algumas gotas de Sangue dentro do Cálix. O Anjo deixa suspenso no ar o Cálix, ajoelha junto de nós, e faz-nos repetir três vezes:

  • Santíssima Trindade, Padre, Filho, Espírito Santo, (adoro-Vos profundamente e) ofereço-Vos o preciosíssimo Corpo, Sangue, Alma e Divindade de Jesus Cristo, presente em todos os Sacrários da terra, em reparação dos ultrajes, sacrilégios e indiferenças com que Ele mesmo é ofendido. E pelos méritos infinitos do Seu Santíssimo Coração e do Coração Imaculado de Maria, peço-Vos a conversão dos pobres pecadores.

Depois levanta-se, toma em suas mãos o Cálix e a Hóstia. Dá-me a Sagrada Hóstia a mim e o Sangue do Cálix divide-O pela Jacinta e o Francisco (14), dizendo ao mesmo tempo:

  • Tomai e bebei o Corpo e Sangue de Jesus Cristo, horrivelmente ultrajado pelos homens ingratos. Reparai os seus crimes e consolai o vosso Deus.

E prostrando-se de novo em terra, repetiu connosco outras três vezes a mesma oração: Santíssima Trindade… etc., e desapareceu. Nós permanecemos na mesma atitude, repetindo sempre as mesmas palavras; e quando nos erguemos, vimos que era noite e, por isso, horas de virmos para casa.”[1]

[1] IRMÃ LÚCIA, Memórias Irmã Lúcia. Compilação do P.e Luís Kondor, SVD Introdução e notas do P.e Dr. Joaquín M. Alonso, CMF (†1981) , Secretariado dos Pastorinhos ,  FÁTIMA – PORTUGAL, Imprimatur, Fatimae, Octobris de 2007, † Antonius, Episc. Leiriensis – Fatimensis