A sexta-feira[1] pode, com razão, chamar-se o dia de predilecção do Coração de Jesus.
Primeiro o amor divino escolheu de toda a eternidade este dia para realizar a obra da Redenção. Este dia foi o grande dia do mundo, dia mil vezes bendito, pelo qual suspiraram, durante quatro mil anos, os patriarcas, os profetas e todos os infelizes filhos de Adão.
Jesus teve este dia ante os olhos durante mais de trinta e três anos, pois que, desde o primeiro instante de sua existência no seio de Maria, ele viu tudo o que lhe aconteceria na sua Paixão, e disto não cessou um instante de ter vista clara e distinta: Dolor meus in conspectu meo semper.
Este dia foi objeto dos mais ardentes desejos do Coração divino: Baptismo habeo baptizari, et quomodo coarctor donec perficiatur; era sua hora querida, diz S. João: Sciens Jesus quia venit hora ejus.
Neste dia, realizou-se o grande drama de amor que se chama a Paixão e a Morte na cruz do Filho de Deus feito homem.
Neste dia, a justiça e a misericórdia deram entre si o ósculo de paz: Justitia et Pax osculatoe sunt, e o mundo se reconciliou com Deus: Deus erat in Christo mundum reconcilians sibi.
Neste dia, o inferno foi vencido e a cruz tornou-se a chave do céu.
Neste dia, o Ladrão penitente foi perdoado, e todos os culpados puderam conceber a esperança de ser perdoados como ele.
Neste dia, o Coração mais amante, o Coração de Deus, confiou-nos à Mãe mais amante, à Mãe de Deus tornada nossa Mãe.
Neste dia, o Coração de Jesus, órgão de amor divino, foi traspassado, e de sua chaga saíram a Igreja e os sacramentos.
Neste dia, Jesus Cristo nos deu seu Coração aberto, como um asilo, como um tesouro, como uma fonte de todos os bens.
Há vinte séculos, este dia é como o ponto central em torno do qual gravita o universo regenerado. Os apóstolos pregam o Homem Deus, crucificado neste dia; os mártires se regozijam de poder misturar seu sangue com o sangue divino derramado neste dia; as virgens se consagram ao Esposo de sangue que lhes parece mais belo n’este dia do que em outro qualquer: Sponsus sanguinum tu mihi es; os maiores criminosos imploram seu perdão e o alcançam em virtude dos merecimentos deste dia. O santo sacrifício da Missa celebra-se em mil diferentes altares para a memória do sacrifício deste dia. Nossas cerimônias religiosas, a cruz que domina nossos monumentos, o crucifixo que orna nossas casas, e o sinal da cruz que chama a benção de Deus sobre nossas frontes, sobre nossas refeições, sobre nossas principais ações, tudo recorda, tudo canta este grande dia.
É o dia do Coração de Jesus
Se o domingo é chamado o dia do Senhor, porque num domingo é que ele ressuscitou, pudesse com toda a verdade dizer que a sexta feira é o dia do Coração de Jesus, porque, nesse dia seu amor manifestou-se com tal força, que Moyses e Elias lhe chamavam, sobre o Thabor, um excesso.
Eis aqui motivos em maior número do que é preciso para obrigar os fiéis a renderem honras particulares ao Coração de Jesus no dia de sexta feira.
A Igreja mesma nos convida a isto; porque, assim como ela faz do domingo um dia d’alegria, em lembrança da gloriosa ressurreição do Salvador, assim faz da sexta feira um dia de penitência, em memória de sua dolorosa Paixão. E como podem os fiéis lembrar-se da Paixão sem pensar no amor que foi a causa dela, e no Coração de Jesus que era o órgão deste amor?
Ainda mais, nós vemos na vida dos santos que a sexta feira era o dia em que Jesus Cristo se comprazia em lhes aparecer, em fazê-los participar dos seus padecimentos e em lhes manifestar diversos mistérios de sua Paixão.
Quando o divino Salvador manifestava á bem-aventurada Margarida Maria as riquezas de seu Sagrado Coração, escolhia de preferência a sexta feira.
Ele exigiu que a festa do Sagrado Coração fosse instituída na sexta feira que segue a oitava do Corpo de Deus.
Enfim é a primeira sexta feira do mês que ele ligou as maiores graças em favor das almas e das famílias que n’este dia comungassem.
Assim, pois, nosso interesse, nossa salvação, o reconhecimento e amor que devemos a Jesus Cristo, tudo nos obriga a rendermos particulares homenagens na sexta feira ao Sagrado Coração. Procuremos, então, praticar nesse dia algum exercício particular de piedade, por exemplo, o caminho da cruz, 5 Padre Nossos e 5 Ave Marias rezadas diante do crucifixo, uma meditação ou leitura sobre o Sagrado Coração, etc. Celebremos com fervor a primeira sexta feira do mês: neste dia ouçamos a missa; aproximemos da mesa santa; consagremo-nos ao Sagrado Coração; façamos a protestação para a boa morte; assistamos à benção do Santíssimo; e desde a véspera preparemos nossa alma para receber as bênçãos do divino Coração pelo piedoso exercício da Hora Santa.
Aqui damos, para a primeira sexta feira do mês, doze meditações sobre o Sagrado Coração, tiradas das obras de Santo Affonso. Oxalá sejam elas úteis aos fiéis e lhes inspirem algum bom pensamento que os mantenha no fervor durante todo o mês.
Exemplo
A comunhão reparadora é extremamente agradável ao Coração de Jesus, porque atrai as maiores misericórdias sobre os pecadores. Eis aqui as palavras de Jesus Cristo á bem-aventurada Margarida Maria: “Quero que o teu coração seja para mim um asilo onde me retire para comprazer-me, quando os pecadores me perseguirem e me expulsarem dos seus. Quando eu te fizer conhecer que a justiça divina está irritada contra eles, tu virás receber-me pela santa comunhão; e, colocando-me sobre o trono do teu coração, adorar-me-ás, prostrando-te a meus pés. Tu me oferecerás a meu eterno Pai… para aplacar sua justa ira e atrair sua misericórdia em favor deles. Quero que me sirvas de instrumento para atrair os corações a meu amor. Como se fará isto?… Tu possuirás os tesouros de meu Coração, e te permito dispor deles a teu grado…Não sejas mesquinha, porque eles são infinitos… Não te faltarão socorros senão quando meu Coração tiver falta de poder.” Um dia em que a serva do Coração de Jesus se preparava para a santa comunhão, ouviu o amável Salvador que lhe dizia: “Olha, minha filha, o mau tratamento que recebo nesta alma que acaba de me receber. Ela renovou todas as dores da minha Paixão.” A esta vista a bem-aventurada desfez-se em lágrimas: “Meu Deus, disse-lhe Margarida, se minha vida pode servir para reparação destas injúrias, fazei de mim o que vos agradar. — Quero, disse Jesus, que quando me tiveres recebido na comunhão, faças honrosa reparação ao meu Coração oferecendo a meu Pai o sacrifício sanguinolento da cruz para este fim...” Ela ficou muito surpreendida por ouvir estas palavras de Jesus Cristo, visto que a alma em questão acabava de aproximar-se do tribunal da Penitência; mas o Salvador lhe disse: A vontade de pecar não saíra de seu coração, o que me causa mais horror do que o pecado mesmo, porque é aplicar meu sangue por desprezo sobre um coração corrompido… Depois, e por motivo desta revelação, a bem-aventurada não cessou de pedir misericórdia a Nosso Senhor para esta pobre alma, e tanto fez com suas orações, lágrimas e padecimentos, que alcançou o perdão para ela.
[1] O SAGRADO CORAÇÃO DE JESUS, SEGUNDO SANTO AFFONSO DE LIGORIO OU MEDITAÇÕES PARA O MEZ DO SAGRADO CORAÇÃO,A HORA SANTA E A PRIMEIRA SEXTA FEIRA DO MEZ ; COLLEGIDAS DAS OBRAS DO S. DOUTOR PELO PADRE SAINT-OMER, REDEMPTORISTA. TRADUÇÃO PORTUGUEZA FEITA DA 83ª EDIÇÃO PELO EXMO. REVDMO. SR. D. JOAQUIM SILVERIO DE SOUZA; BISPO DE DIAMANTINA; 3ª EDIÇÃO;COM APPROVAÇÃO ECCLESIASTICA E DOS SUPERIORES DA ORDEM; RATISBONA,TYPOGRAPHIA DE FREDERICO PUSTET, IMPRESSOR DA S. SÉ, 1908, p 282 a 287