SANTIFICAÇÃO DA FAMÍLIA pela Consagração aos Corações de Jesus e Maria – P. Fernando Leite

Postado dia 25/10/2019

 

 

A Consagração[1]

 

Consagrar-se significa dar-se, entregar-se. A mãe está consagrada aos filhos, se vive intensamente para eles; o estudante está consagrado ao estudo, se faz dos livros o objeto das suas atenções; o médico está consagrado aos doentes, se lhes dedica contínuos cuidados…

No sentido religioso consagrar-se é dar-se inteiramente ao serviço de Deus, separando-se, por isso mesmo, do uso profano. O cálix consagrado só pode servir para o serviço do altar; qualquer outro emprego saberia a profanação ou sacrilégio. Os sacerdotes ou religiosos são pessoas consagradas porque destinadas ao serviço do Senhor. (Por isso são sacrilégios os atos que atentarem contra a integridade da sua doação.

Analogamente, família consagrada aos Corações de Jesus e Maria é uma família que crê, confia e se entrega ao amor de Jesus e Maria, que os ama, que procura consolá-los e desagravá-los, que cumpre a sua vontade, que observa a sua lei, que lhes rende culto e os invoca diante do seu quadro ou imagem e que, por conseqüência, evita tudo quanto os possa ofender.

Toda a consagração pessoal ou individual é “renovar” a consagração ou entrega fundamental a Deus e a Cristo, feita no batismo. Do mesmo modo, a consagração familiar é reavivar e ratificar a consagração efetuada no juramento do matrimônio, quando marido e mulher se deram reciprocamente a mais bela prenda do casamento, — a graça de Cristo — como vida e força para caminharem unidos no amor.

A consagração familiar ao Coração de Jesus supõe e alimenta a consciência de pertencer a Cristo pelo Batismo, pelo Crisma e pelo Matrimônio. Faz compreender que o Senhor espera de nós resposta generosa, em agradecimento ao seu amor. Tal consciência deverá levar todos os membros da família a viver como verdadeiros cristãos, reconhecendo o amor do Senhor e desejando corresponder-lhe cada vez mais plenamente. Assim abrem as portas a essa corrente de amor entre o Coração do nosso Salvador e Senhor e os corações de cada um.

Conhecidos os títulos que Jesus e Maria possuem ao nosso amor, não podemos deixar de nos entregar inteiramente a Eles. Os membros da família antes de realizarem a Consagração, deveriam ter noção, quanto possível clara, da soberania de Jesus e Maria sobre o lar.

Profunda diferença medeia entre o entusiasmo e a dedicação de quem se consagra, conhecendo o significado desta entrega, — que deveria ser um dos mais solenes da família cristã — daquele que faz a consagração, por rotina ou quase inconscientemente.

Mas também é certo — e a experiência o confirma — que mesmo que a compreensão deste ato não seja perfeita, Jesus e Maria, entrando nos lares, iluminam-nos e aquecem-nos muito mais e melhor do que outros meios humanos conseguiriam realizar.

Entre a consagração e o reinado dos Corações de Jesus e de Maria existe um nexo indissolúvel. A consagração prepara o reinado, e o reinado supõe a consagração.

Com a consagração das famílias prepara-se o reinado social e efetivo de Jesus e Maria. Efetivo, pois de direito Jesus e Maria são reis da sociedade. Quando todas as famílias se consagrarem e viverem a consagração, a sociedade e o mundo estarão consagrados, pois estes não são mais que o conjunto de todas as famílias.

Por isso é que o Padre Mateo para estabelecer na terra a soberania de Cristo, não encontrou meio melhor — como adiante veremos — do que garantir o seu reinado em cada uma das famílias.

O Papa Bento XV na exortação que lhe dirigiu no dia 6 de Maio de 1915 define assim a Entronização, e o mesmo se poderá dizer da Consagração, pois na prática estes dois atos equivalem-se:

“É instalar a imagem do Sagrado Coração, como num trono, no lugar mais nobre da casa, de tal modo que Jesus Cristo, Senhor Nosso, reine visivelmente nos lares católicos”.

Os seus sucessores os Papas Pio XI e o Pio XII repetiram textualmente esta definição.

Meditemos o significado atribuído por Bento XV à consagração:

“Quem não sabe que esta não deve consistir numa simples e passageira manifestação de vida cristã? Deve, pelo contrário, ser o princípio de uma série de atos, capazes de mostrar que a casa consagrada ao Coração de Jesus se tornou mansão de fé, de caridade, de oração, de ordem e de paz doméstica.”

“Toda a vida da família consagrada ao Divino Coração deve decorrer á sombra do seu celeste patrimônio. No Coração de Jesus hão-de procurar força os velhos e prudência os jovens; hão-de encontrar conforto os aflitos e paciência os doentes; no Coração de Jesus devem as mães derramar a pena dos seus trabalhos; e os pais a preocupação quanto ao futuro da família.”

“Não é porventura fácil de compreender que tudo isto supõe a reunião freqüente da família diante da imagem de Jesus, para se reafirmar no reto caminho ou para alcançar conforto no meio das dores, mediante a oração feita em comum? Nesta soma de exercícios de piedade ou, se prefere, no cuidado constante de caminhar à sombra do patrocínio do Sagrado Coração, consiste o que chamamos viver a consagração já feita.”

A 11 de Julho de 1948 para comemorar as Bodas de Ouro do sacerdócio do Padre Mateo, Pio XII concretiza nestes termos o significado da Entronização:

“Também para Nós, como para os nossos Predecessores, a Entronização corresponde aos nossos mais caros desejos. Desejamos ardentemente que a caridade de Jesus Cristo, jorrando do seu Coração, volte a tomar posse da vida privada dos homens e da vida pública dos povos.”

“Há, porém, uma coisa que desejamos de modo especial… a saber: que as famílias cristãs se consagrem ao Sagrado Coração de Jesus, mas de tal modo que, ficando a sua imagem instalada no lugar mais nobre da casa como num trono, Jesus Cristo Senhor Nosso reine visivelmente nos lares católicos. A consagração não é cerimônia vã ou falha de sentido, mas exige de todos e de cada um que a vida se ponha em harmonia com os preceitos cristãos.”

A consagração da família ao Coração de Jesus significa, pois, a declaração da soberania de Jesus sobre o lar, a entrega confiada ao seu amor, o compromisso de se submeter à sua lei cumprir os seus Mandamentos.

O mesmo se pode aplicar à Consagração ao Imaculado Coração de Maria. É preciso compreender o seu alcance para o viver intensamente. Como observava o Cardeal Elias Dalla Costa, Arcebispo de Florença, ilustrando o Ato da Consagração da sua Arquidiocese “há o perigo de que as nossas consagrações possam ser simples palavras, que não valham nada, se não são acompanhadas da efetiva entrega a Deus da consciência, da oração, da alma, da vida”.

A consagração ao Imaculado Coração de Maria não é a simples leitura de uma fórmula, mas um programa de vida cristã e um solene compromisso de o viver sob a proteção de Maria.

Tal é o sentido que lhe atribuem os Papas Pio XII e João XXIII:

“A consagração a Nossa Senhora é uma entrega total de si mesmo para a vida e para a eternidade… uma entrega efetiva que se há-de realizar em intensa vida cristã e mariana” (Pio XII 23-11-1954).

“Quem se consagrou a Maria pertence-lhe de modo especial. Tornou-se como que um santuário da Santíssima Virgem” (Pio XII 26-7-1954).

“A consagração a Maria, por natureza, contém a promessa de cumprir fielmente os propósitos de fidelidade e de apostolado em todo o decurso dos anos” (João XXIII, 20-8-1959).

“Porque a Santíssima Virgem só vive e só opera para seu Filho, a devoção para com Ela leva e conduz necessariamente a Jesus Cristo Nosso Senhor. Por conseguinte, a consagração que a Ela se faz, significa consagração fervorosa ao Divino Salvador, à sua lei, à sua lei, à sua Igreja” (João XXIII, 19-09-1959).

A Consagração quer ao Coração de Jesus, quer ao Coração de Maria, quer a ambos estes Corações inclui, positivamente o reconhecimento e aceitação do domínio de amor de Cristo e sua Mãe sobre o lar e a sujeição amorosa a esse “suave jugo”, e negativamente a detestação e exclusão de tudo quanto os possa desgostar e ofender.

Na carta de 6 de Maio de 1915, o Papa Bento XV expôs ao grande apostolado das famílias, o P. Mateo a sua palavra de ordem de que a Entronização premunisse os lares contra os três maiores perigos que os ameaçavam: “o divórcio, que ataca a estabilidade do matrimônio, o monopólio do ensino que elimina em matéria de extrema importância a autoridade dos pais; e a busca desenfreada dos prazeres, que desvia o matrimônio do seu fim e direitos naturais.”

[…]

Em Portugal, só em oito anos, de 1922 a 1930, enviaram os seus nomes para serem inscritos nos Livros de Oiro, 35.250 chefes de família.

  1. 5. Entronização. A partir de 1910 começou a dar-se também à Consagração das Famílias o nome de Entronização, Obra propagada no mundo inteiro pelo zelo infatigável do P. Mateo Crawley Boevey. Nascido no Peru a 18 de Novembro de 1875, entrado aos 15 anos na Congregação dos Sagrados Corações (Picpus), encontrava-se no princípio deste século no Chile, dedicado a trabalhos apostólicos. Em 1907 partiu para a Europa com o coração abalado e os pulmões desfeitos à procura de saúde. Não a tendo alcançado em Lourdes, dirigiu-se a Paray-le-Monial, onde o Senhor tinha descoberto a Santa Margarida os tesouros do seu Coração. Era o dia 24 de Agosto de 1907; contava 32 anos. Ajoelhado na Capela das Aparições sente-se prodigiosamente curado e recebe uma iluminação que lhe esclarece o rumo da vida: promover o reinado do Sagrado Coração de Jesus conquistando-lhe as famílias, uma por uma, entronizando nelas permanentemente a imagem do Coração Divino e ensinando-as a viver com Cristo no fiel cumprimento da sua lei.

Depois de uma semana inteira de ação de graças, partiu para Roma a fim de expor o seu plano e pedir a bênção do Vigário de Cristo. O que lhe sucedeu na memorável audiência com o Papa São Pio X refere-o ele nos seguintes termos:

“Ajoelhando aos pés de Sua Santidade, disse-lhe:

— Padre Santo, permiti-me que eu seja o apóstolo do Sagrado Coração e vá trabalhar para conquistar-lhe o mundo inteiro, lar por lar, família por família.

— “Não, meu filho”.

Levantei os olhos para o Santo Padre, e então Ele, apertando-me ao coração, disse-me sorridente com aquela pontinha de malícia que lhe era pessoal:

— “Ordeno-lhe, ouviu! Não só permito, mas ordeno-lhe que dê a sua vida por esta obra de salvação social. É uma obra admirável; consagre-lhe a vida inteira.”

Com o mandato recebido dos Papas São Pio X, Bento XV, Pio XI e Pio XII, percorre o grande apóstolo durante perto de 50 anos o mundo inteiro a propagar a Entronização e a Adoração Noturna nos Lares. Poucas vezes na história da Igreja pregador algum comoveu tão grandes multidões e levou tantas almas à conversão, à perfeição e à santidade!

Portugal experimentou o fervor do seu zelo por duas vezes em 1927-1928 e 1931. O Cardeal Cerejeira formulou a seu respeito este juízo:

“O Padre Mateo ocupa lugar eminente na renovação religiosa de Portugal. Pela Providência ficou associado ao milagre da restauração da Igreja. A história daquele período de vida espiritual em Portugal — e creio que será um período dos mais gloriosos — não poderá ser escrita sem nela incluir o nome e a ação apostólica do Padre Mateo.”

A entronização do Coração de Jesus no sítio principal da casa é cheia de simbolismo. Significa que Cristo é o Senhor da casa, é a pessoa mais querida entre todas as pessoas queridas, é o Rei cujos direitos se reconhecem e cuja lei se cumpre. Ouçamos o Papa Pio XII:

“É preciso, queridos esposos cristão, irmãos de Jesus, que a imagem do seu Coração, que tanto amou o mundo, esteja exposta e honrada na vossa casa como a do vosso parente mais íntimo, mais amado e que contém os tesouros das suas bênçãos para as vossas pessoas, vosso filhos e vossas empresas. Exposta e honrada quer dizer    que esta imagem não só deve velar o vosso repouso, no quarto particular, mas deve ser honrada na porta de entrada ou na sala de jantar ou de visitas ou noutro lugar de freqüente passagem, porque, como diz Jesus no Santo Evangelho, todo aquele que me tiver reconhecido publicamente diante dos homens, também eu o reconhecerei diante do meu Pai que está no céu. “Honrada” quer dizer que diante da preciosa estátua ou do modesto quadro do Coração de Jesus, mãos solícita colocará, ao menos, de vez em quando, algumas flores, acenderá uma vela ou que até, como sinal constante de fé e de amor, manterá a luz duma lâmpada e que à sua volta se reunirá a família para um ato coletivo de homenagem, uma humilde expressão de arrependimento e um pedido de novas bênçãos.

“Os pagãos — escreve o ardoroso Padre Mateo — tinham nas suas casas os deuses dos lares; os primeiros cristãos — sabei-lo bem — levavam para casa e conservavam ali as Sagradas Espécies. Pois o que as Sagradas Espécies eram para os cristãos dos primeiros séculos, será para as famílias de hoje o Sagrado Coração de Jesus entronizado nelas; não que haja de assemelhar-se a imagem do Coração de Jesus à Hóstia consagrada, não; mas a Entronização bem compreendida acarretará com ela graças especiais de presença de Deus e de vida cristã com Jesus, por Jesus… sob os olhares de Jesus.”

[1] SANTIFICAÇÃO DA FAMÍLIA, Pela Consagração aos Corações de Jesus e Maria, P. Fernando Leite , Editora A.O., Braga – Portugal, p. 13/17 e p 30/32